O puerpério, também conhecido como resguardo ou quarentena, diz respeito a fase pós-parto em que a mulher vive modificações físicas e psicológicas. Esse período se estende até o momento em que o quadro clínico geral da mulher retorna ao seu “estado normal”. Ou seja, o puerpério se encerra quando a mulher volta ao estado em que vivia antes da gestação ocorrer.

Psicólogas perinatais e especialistas no assunto relatam que o período do puerpério já é um momento desafiador e turbulento por si só. Este tende a ser um momento solitário da mulher, mesmo que ela não esteja concretamente sozinha. Isso acontece porque as mudanças ocorridas no corpo, no psiquismo e nas emoções da mulher são muito intensas. Justamente por isso, ela sente solidão: porque ela não consegue crer que outras pessoas sentem o mesmo que ela está sentindo.

As especialistas lembram que esse sentimento de solidão é normal, que quase todas as puérperas o experimentam (mesmo que em medidas diferentes). A dificuldade de perceber o auxílio oferecido por sua rede de apoio também é normal (aqui considerando aquelas que recebem auxílio, é claro). No entanto – e infelizmente -, a situação do puerpério se agrava bastante no cenário de pandemia.

A sensação de solidão e desamparo “normal” ao puerpério deixou de ser um conflito interno e passou a ser físico na pandemia. Isso porque a rede de apoio presencial já não existe, o que obviamente está impactando significativamente na experiências das mulheres.

Conheça neste artigo a experiência de Rosi, Dvorah e Juliana: três mulheres que estão enfrentando o puerpério em plena quarentena. Boa leitura!

Puerpério na quarentena? Conheça alguns casos

Mãe no puerpério com companheiro e bebê

Mãe no puerpério com companheiro e bebê – Foto: Freepik

Juliana é bióloga e conta que no momento do nascimento de sua filha o vírus já tinha chegado ao Brasil, mas a situação estava “menos tensa”. As medidas de cuidado ainda eram inicial e o isolamento não parecia uma realidade no nosso país. A bióloga conta que os casos fatais na Itália já estavam aumentando, mas que não havia nada estabelecido no Brasil. De acordo com ela, “De certa forma, eu tive até sorte, porque no dia do parto meus familiares puderam estar presentes e recebi visitas na maternidade”.

Dvorah conta que seu terceiro filho chegou ao mundo antes do primeiro caso ser confirmado no Brasil. Ela lembra que a Covid-19 já estava ganhando atenção, mas ainda não tínhamos nenhum caso. Isso fez com que a família pudesse celebrar o nascimento e o primeiro ritual judeu do recém-nascido: o Brit Milá (circuncisão do bebê). Dvorah narra que nas celebrações pós-nascimento já se falava sobre não receber visitas, enviar fotos e tentar se resguardar, mas não era mencionado muito mais que isso.

Mudança de cenário

Entretanto, a calmaria rapidamente cedeu espaço para a confusão, o medo e as incertezas. O cenário brasileiro mudou rapidamente. Obviamente, as puérperas sentiram na pele essas mudanças.

Dvorah conta que levou o filho a unidade de saúde aos 10 dias de vida, para fazer a consulta padrão desse período. Nas palavras dela:  “Nesse dia, o posto já estava um absurdo de loucura”. A partir desse momento, somente 10 dias depois do parto, a vida da puérpera parece ter virado de ponta cabeça. A incerteza, o medo, a insegurança e as preocupações tomaram conta de seus dias.

Cuidados com cesárea, puerpério com crianças e pandemia

Mãe em puerpério sonolenta com bebê no colo

Mãe em puerpério sonolenta com bebê no colo – Foto: Freepik

Com uma gestação difícil, Dvorah enfrentou pressão alta, diabete gestacional e um acidente que quebrou seu cóccix durante a gravidez. Por isso, ela precisou passar por uma cesárea no momento do parto.

Especialistas destacam que a recuperação da cesariana já é um processo delicado e difícil por si só. No entanto, a situação de Dvorah foi agravada com o ingresso na quarentena. Isso porque logo nos primeiros momentos seus dois filhos maiores (de 12 e 7 anos) deixaram de frequentar a escola, por esta ter sido fechado pelo isolamento.

“A cesárea requer muito mais atenção. Você não consegue pegar todas as coisas, sentar direito e, principalmente, o cóccix estava pesado. Não foi fácil. E a quarentena só veio a prejudicar um pouco mais isso, porque estávamos esperando fazer fisioterapia após a gestação. Antes não podia fazer para não adiantar o trabalho de parto. Só que parou tudo. E eu tenho dois filhos, que antes iam para a escola e agora estão em casa. Então, eu tenho que ser mãe, professora, cuidar do bebê, cuidar da casa. Meu marido ajudou, mas a gente não consegue. É realmente um momento que eu quero que termine logo”, desabafa Dvorah.

E quem auxilia a mãe no puerpério?

O marido de Dvorah faz parte do grupo de risco. Apesar disso, ele não pode ficar em casa porque trabalha em estabelecimento de serviço essencial (alimentício) e o sustento da família depende da sua renda. Isso faz com que o maior apoio da puérpera seja sua mãe, que também faz parte do grupo de risco devido a idade e a sua condição de saúde.

A movimentação pela casa com as crianças e com a mãe durante o dia faz com que a mulher não pare para pensar durante os dias. Entretanto, ela relata que o silêncio e a quietude do período noturno fazem com que a sensação de solidão venham a tona com força.

Dvorah relata que o bebê está no período das cólicas. Por isso, o colo oferecido pelo pai ou pela avó auxiliam por pouquíssimo tempo. A mulher lembra que o recém-nascido não fica mais que 15 minutos longe da mãe, antes de pedir por uma nova mamada. Youssef demonstra com todas essas solicitações pela mãe que somente a mama atenua as dores.

As redes de apoio e a suspensão dos planos

Mãos de família com bebê em escala de cinza

Mãos de família com bebê em escala de cinza – Foto: Freepik

A experiência de Juliana com o isolamento se apresentou de outra forma, mas conta também com essa marca da solidão e da sobrecarga.

A gestação da bióloga foi programada e foi planejada nos mínimos detalhes. Com isso, a mãe de Juliana e a madrinha da bebê se dispuseram a ajudá-las nos primeiros cuidados com a filha. No entanto, a pandemia chegou, o isolamento social começou e elas sequer estão visitando a recém-nascida.

Juliana desabafa dizendo que “Quando eu cheguei em casa, depois do período padrão de ficar no hospital, toda aquela história que eu tinha me programado não aconteceu. Eu tinha contratado uma pessoa para me ajudar, que viria todo dia para fazer um pouco de faxina e comida, também estava contando com a minha mãe, com a minha madrinha, mas todas essas pessoas não vieram mais”.

Evidentemente, há algo de particular e singular na experiência de cada mulher com o seu puerpério. No entanto, as especialistas que vêm acompanhando virtualmente algumas dessas mulheres vão apontando para essa sensação de solidão, sobrecarga e desamparo como pontos similares nas experiências que acompanham.

O básico que já não é possível

Juliana compreende que ter o marido em casa a ajuda bastante, principalmente porque os homens não tem direito ao mesmo período de afastamento que as mulheres após nascimento da filha. No entanto, a bióloga conta que a pandemia continua a privar de viver pequenos momentos cheios de significados com sua pequena.

Em desabafo, ela conta que “Eu sinto muita falta de dar aquela voltinha nem que fosse de 10 minutos. Tomar um solzinho, não faria mal para ela, faria bem. Ver outras coisas. Ver até uma árvore faz falta”.

Passando por algo muito parecido, Rosi é vendedora e está sentindo uma imensa saudade desses pequenos momentos fora de casa durante seu puerpério. O bebê de Rosi está com três meses e eles já haviam experimentado essas atividades leves ao ar livre juntos. No entanto, a vendedora conta sobre as mudanças que passou recentemente e sobre seus efeitos na sua vida e equilíbrio emocional.

Rosi conta que “Não é um período fácil. As únicas coisas que a gente fazia, eu e ele, além de ir no pediatra, era descer ao jardim, tomar um sol, um ar, conversar com pessoas. E agora a gente deixou de fazer tudo. Acaba sendo mais difícil do que já é esse puerpério”.

O isolamento social chegou ao Brasil em um péssimo momento para Rosi. Isso porque ela teve complicações na gestação e precisou ser afastada do trabalho antes da licença-maternidade. Ou seja, ela já estava “recolhida em casa” quando a quarentena iniciou. Além disso, ela conta que suas férias estão para vencer. Por isso, ela ainda precisará ficar mais 20 dias em casa antes de pensar em retornar ao trabalho.

5 meses e 20 dias

Mãe segurando bebê em vista superior

Mãe segurando bebê em vista superior – Foto: Freepik

Esse conjunto de situações está fazendo com que Rosi precise ficar em situação de confinamento por muito mais tempo que a média da população. Na verdade, a vendedora conta que sabe exatamente quanto tempo precisará ficar afastada do ambiente de trabalho: 5 meses e 20 dias.

Ao todo, ela precisará ficar isolada em casa por quase meio ano.

“Foi muito difícil o começo, e tem sido pior, principalmente o fato de ficar só em casa, cuidando dele. A quarentena só reforçou isso que já aconteceria no puerpério”, ela conta.

Não é à toa que Rosi diz sentir que tudo que ela está passando vem sendo mais pesado que o necessário ou “natural” para o momento de puerpério. Vale lembrar que esse período após-nascimento é uma experiência forte para a mulher. Mas o isolamento e o consequente afastamento físico das pessoas nesse momento tem tornado essa vivência ainda mais desafiadora e complicada para as mulheres.

O puerpério e a responsabilização sobre a vida do outro

Não raramente, o puerpério é um momento marcado também pela sensação de responsabilização sobre a vida de outra pessoa. Como se isso não fosse pesado o suficiente, junte ao caldo que esse alguém que depende de você é uma pessoa muito importante na sua vida: seu bebê.

Essa dependência do bebê onde a mulher é a cuidadora de uma nova vida atua de forma muito significativa no psiquismo da puérpera. A forma do pequenino se comunicar é através do choro, então quando ele chora ele está demandando atenção e cuidado da mãe. No entanto, em alguns cenários a demanda do bebê pode extrapolar as condições humanas da mulher de cuidar, dar atenção e zelar: as exigências para com a mulher podem extrapolar em muito as condições humanas de cuidado.

Por exemplo, em situações em que a puérpera está muito cansada, sem dormir e sob grande estresse esse choro pode vir não como uma convocação “normal” de atenção por parte do bebê, mas sim, como uma provocação que desencadeia angústias, culpas e sensações de insuficiência. Ou seja, nestas situações é normal que a mulher sinta que ela é incapaz, insuficiente e não tem condições de dar conta da “sua responsabilidade”.

A sobrecarga do puerpério e as angústias maternas

Mãe cansada em puerpério com bebê no colo e mamadeira

Mãe cansada em puerpério com bebê no colo e mamadeira – Foto: Freepik

Essa sobrecarga e essas sensações negativas podem afetar a relação mãe-bebê, o que costuma gerar mais angústias e mais culpas. Ou seja, o problema fica ainda mais grave. Porém, uma das formas mais eficientes encontradas pelas mulheres para lidarem com essa situação é justamente contar com suas redes de apoio. Poder contar com a ajuda de uma amiga, da própria mãe, de uma prima ou de quem for próximo faz com que a mulher possa contar com pequenos momentos de descanso e relaxamento.

Mas a pandemia e o isolamento chegaram, não é? Nesse cenário, toda essa situação está mais grave e mais acentuada na experiência psicológica da mulher. Isso justamente porque ela não tem podido contar com sua rede de apoio para a auxiliar nesse período. Por isso, a sensação de solidão e desamparo é ainda mais intensa durante um puerpério que se desenrola em plena quarentena.

Dosando o consumo e os hábitos de Internet

Juliana e Rosi contam que têm utilizado do acesso à Internet para contornarem esse sentimento esmagador de solidão. Para isso, elas vêm utilizando essa ferramenta moderna para se manterem próximas de seus familiares e amigos, e também para ouvirem outras mulheres que estão enfrentando situações parecidas.

No entanto, as duas mulheres estão tomando alguns cuidados e estão utilizando a Internet com algumas ressalvas. Por exemplo, Juliana decidiu que não participaria de grandes grupos Online sobre maternidade. Essa decisão ocorreu porque nestes grupos é comum que as participantes não consigam filtrar e controlar os conteúdos que terão acesso. A sua opção foi permanecer no grupo de trabalho, onde tem contato com outras mães e onde pode trocar informações, dicas e experiências.

Nesse sentido, a bióloga conta que “Ali [no grupo de trabalho], você pode tirar dúvidas, ouvir a experiência delas, o que dá um certo conforto”.

Rosi também conta que tem um cuidado adicional sobre o tema Covid-19: ela evita o excesso de informações. A vendedora diz acreditar que o uso da Internet pode ser um porto seguro ou pode ser mais um espaço nocivo, dependendo do uso que cada um faz.

Ela afirma que a forma que encontrou para utilizar a tecnologia a seu favor foi definir seu uso como um momento de lazer. Para isso, ela conta que busca na Internet informações e assuntos que nenhuma relação tenham com o vírus, a doença ou as tensões políticas deste momento.

Outro cuidado de Rosi nesse sentido é evitar o consumo excessivo de telejornais que cubram a doença. No lugar disso, ela utiliza a televisão para ver filmes e a Internet para fazer contatos com a família. Rosi conta que “É uma forma de acompanhar a vida que continua a acontecer fora da minha casa. Gosto de saber como meus familiares estão, como são seus dias e o que estão fazendo. É bom podermos conversar e podermos falar de outras coisas que não seja doença, morte e política“.

Respeite seus limites

Mulher sentada na grama com celular na mão usando redes sociais

Mulher sentada na grama com celular na mão usando redes sociais – Foto: Freepik

Dvorah decidiu que restringiria seu uso de Internet ainda mais. Essa decisão ocorreu porque ela acredita que focar na sua rotina a ajuda a se manter equilibrada mais do que ficar em redes sociais.

Ela diz crer que o consumo desenfreado das mídias digitais pode acarretar muito estresse e muitas cobranças, além do excesso desnecessário de informações. Nas suas palavras, “É muita gente mandando mensagem, querendo saber de tudo o tempo todo. Eu já saí de vários grupos, e o grupo de família eu coloquei no mudo. Não quero ver, não quero me sentir pressionada a ficar respondendo”.

Em sua narrativa, Dvorah diz ainda que não se preocupa em abrir todos os vídeos e nem em responder ou compartilhar a tudo. Sobre sua religião, ela diz que eles têm por hábito focar nas boas notícias para que possam viver em harmonia com torá, a bíblia judaica. A puérpera conta que o posicionamento do rabino sobre a pandemia foi claro e objetivo: fecharam-se todas as sinagogas do mundo porque a vida é o que prevalece.

Dvorah diz compreender quem tomou outras decisões. Ela conta que entende que a rede social pode servir de distração para algumas pessoas, quando elas vêem algumas notícias por ali. No entanto, ela diz ter se dado ao direito de ser mais radical e de pensar em seu bem-estar em primeiro lugar. Entendendo que a Internet não contribuiria em nada na sua saúde emocional, Dvorah diz ter escolhido se afastar das tecnologias sem pesos na consciência ou sentimentos de culpa.

Saúde mental e excesso de notificações na Internet

Assim como mencionado por Dvorah, as especialistas concordam que a Internet e as tecnologias podem servir para diversos fins, a depender do uso de cada pessoa. O excesso de informações e notificações pode afetar significativamente o bem-estar e o estado emocional das puérperas. Na Internet é possível encontrarmos notícias angustiantes, informações mórbidas e excesso de preocupações que farão apenas mal a mulher.

No entanto, também é verdade que este instrumento pode servir como uma ponte para contato com as pessoas importantes e com a rede de apoio que nesse momento não pode se fazer fisicamente presente. Por isso, a verdade é que não existe resposta certa ou errada. O importante é que cada mulher consiga construir sua própria forma de fazer uso deste instrumento (ou de decidir não o utilizar neste momento).

Respeitar seus limites, seu espaço e suas emoções é o melhor caminho para enfrentar esse período de puerpério que é sempre delicado, e que na quarentena toma proporções inimagináveis. Experimente e avalie cada cenário, e escolha aquele que te faz se sentir melhor sem culpas nem pesos na consciência. Pensar no seu bem-estar não é egoísmo, é autocuidado e amor próprio.

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