Quando eu era pequena, tinha uma boneca de plástico, do tipo bebezinha. Eu a carregava para todos os cantos, e a considerava minha filhinha querida. Eu tinha meia dúzia de jogos: um baralho, um piratinha que pulava, alguns de tabuleiro. Eu tinha uma Barbie, e quando ela ficou muito velhinha, com o cabelo cheio de nós irremediáveis e um braço que caía a cada cinco minutos, ganhei outra. Aliás, ela tinha uma cama e uma penteadeira lindas, mas não tinha sofá nem piscina. Mas minha irmã tinha, e quando brincávamos juntas, achávamos que nossas bonecas tinha a maior mansão do mundo.
Certamente tive mais brinquedos do que esses, mas não muito mais. Entretanto, são eles que ficaram guardados com carinho em minha memória, e muito provavelmente aqueles com que eu brinquei por um tempo maior. E, para mim, é inevitável fazer a comparação com a geração de minha filha. Sem muito esforço, Catarina tem mais brinquedos do que eu tive em anos! Tem quase todas as princesas em miniatura; tem bichinhos de todos os tipos; tem tantas Barbies que eu já perdi a conta de quantas são exatamente. E, mesmo tendo tanta coisa, eu sei que ela tem muito menos do que a grande maioria das crianças de sua idade.
Eu sei que, em parte, é um fenômeno cultural. Em nossa infância, as festas de aniversário eram bem menores, e portanto ganhávamos poucos presentes. Desses, uma boa parte era roupa (pelo menos na minha família), porque se acreditava que os presentes deveriam ser úteis, não exatamente divertidos. E hoje? As festas são enormes, porque se convida a família, os mais de trinta amiguinhos da turma da escola, as crianças da natação, do ballet e do inglês. Sendo que a maioria do que é dado à criança são brinquedos: afinal, é o que ela deseja ganhar (não é assim?).
Mas eu também acho que não é só isso. Há crianças que ganham presentes todas as semanas: porque ela “obedeceu”, porque estudou para a prova (não é o que ela deveria ter feito de qualquer jeito?), ou simplesmente porque o pai não quis vê-la chorando por não ter o novo cachorrinho que fala ou o avião que voa e dá piruetas. Quando brincam juntas, não há mais aquela coisa gostosa de juntar o que uma tem com o que a outra levou, para criar a brincadeira: todas têm tudo o que se possa imaginar, verdadeiras lojas de brinquedos em suas casas. E acabam brincando com a SUA boneca, com o SEU carrinho.
Poderíamos trocar os presentes repetidos de Catarina para que ela tivesse ainda mais do que tem. Mas ela já aprendeu que, como gostou de ganhar brinquedos novos, outras tantas crianças ficariam felicíssimas em receber aquilo que ela ganhou em dobro. E ela doa, com a maior alegria! Poderíamos dar um brinquedo a cada nova conquista, mas preferimos dar abraços. Poderíamos dar um brinquedo a cada vez que ela fez algo merecedor de um presente – e às vezes damos, se for algo que percebemos que ela deseja muito e que renderá gostosos momentos de brincadeira. E se não for o caso, damos algo que a enriquecerá para toda a vida: livros!
Claro que não estou falando como ninguém deve criar o próprio filho. Só estou contando que já tive a experiência de ver mais da metade dos brinquedos esquecidos em duas semanas, e perceber que minha filha precisava de menos do que tinha. Para valorizar cada coisa que tem, para dar utilidade a cada brinquedo, e também para ter algo pelo que esperar – afinal, quando se tem quase tudo, o valor de cada novo presente não é bem menor? E quando se consegue algo muito desejado, que levou um tempo para ser conquistado: o sabor não é inesquecível?