Eu gosto muito quando recebo pedidos específicos das leitoras sobre temas. E algumas mães já me escreveram sugerindo que falássemos aqui no blog sobre anorexia/bulimia. Eu acho o assunto importantíssimo, pois é um cenário em que a ação dos pais e da família em geral pode fazer toda a diferença. Por isso convidei a nossa super hebiatra Bianca Lundberg para conversar conosco sobre o tema.
Quando recebi seu texto, o que mais me chamou a atenção foi o momento em que ela reproduz o diálogo entre um pai e uma menininha. Interessante perceber que tipo de programação colocamos na cabeça de nossos filhos (sim, acredito que desde pequenos podemos ter atitudes que facilitam a ocorrência dessas doenças!).
Com vocês, a especialista! E fiquemos atentas!
Por Dra. Bianca Lundberg
Criança não quer comer. Fonte: Freepik
Numa tarde quente de sábado, estava eu terminando meu sorvete quando uma menina de uns 4 anos, chegou na vitrine para escolher seu sabor. “Papai, eu já sei! Quero o de chocolate!”
Eis que escuto do pai: “Não, filha! Sabe quantas calorias tem esse? Você vai ficar com barriga, gorda, feia! Escolha o de limão ou de abacaxi e pronto.”
Como é que é? E a menina aparentemente saudável de quatro anos acabou de aprender que ser gordo é ser feio.
Isso me motivou a comentar um pouco com vocês sobre um problema cada vez mais comum nos hospitais e consultórios: os transtornos alimentares.
Anorexia: transtorno alimentar
Menina triste. Fonte: Freepik
Engana-se quem pensa que a anorexia restritiva e a purgativa (também conhecida como bulimia) são “novas no pedaço”. Há relatos de jovens com restrição alimentar e práticas purgativas desde a Idade Média, naquela época relacionados à religião (como que, ao se purificarem sem comida, elevariam seus espíritos).
Só foi descrito no século 17, no entanto, a conexão entre essas afecções e alterações psicológicas.
Então, isso eu faço questão de reforçar: os transtornos alimentares são DOENÇAS sim, e não uma “bobagem”, “moda”, “frescura”, como já escutei de muita gente.
E se antigamente só se viam mocinhas com essas doenças, nas últimas décadas a incidência aumentou também em pré-adolescentes, rapazes e mulheres mais velhas.
Tanto a anorexia restritiva quanto a purgativa são multifatoriais, com influências genéticas, biológicas e ambientais. Diante disso, quem tem algum parente com a enfermidade tem mais chance de desenvolvê-la; um trauma de infância pode ser o estopim.
Influência ambiental
O acesso quase que irrestrito aos estímulos da mídia, quase sempre favorecendo os corpos esguios e os relacionando ao sucesso e felicidade, faz com que as práticas a favor dos transtornos sejam difundidas com uma velocidade incrível.
Sites e blogs pró-doença, por exemplo, promovem encontros, dão dicas e enaltecem o chamado estilo de vida das “Ana e Mia” (pessoas anoréxicas e bulímicas).
Anorexia
O termo anorexia, do grego “sem apetite”, não expressa bem o que acontece. Assim, os pacientes não ficam inapetentes, porém o medo extremo de ganhar peso – ou de não emagrecer – supera qualquer desejo por comida.
Quanto mais perdem peso, mais estimulados e fortalecidos ficam. Têm grande conhecimento sobre valor nutricional dos alimentos, jejuns e dietas. Conferem seu peso na balança e praticam exercício físico com frequência (às vezes escondido, inclusive).
Bulimia
Vem do grego “fome de boi”. Explicando: existe uma ingestão alimentar descontrolada, os pacientes comem compulsivamente milhares de calorias, Depois disso, há o medo de engordar, que leva aos comportamentos purgativos: uso de laxantes, diuréticos e indução ao vômito (geralmente logo após a refeição), aliados a longos períodos de jejum e exercícios extenuantes.
Porque se preocupar com a anorexia?
No começo, nem sempre percebemos a anorexia ou bulimia nas pessoas próximas. Portanto, se os transtornos persistem, notamos que o indivíduo pode não crescer como o esperado, deixar de menstruar (ou nem começar a menstruar), perder os cabelos e o viço da pele.
A longo prazo, há queda de imunidade, anemia e muitas outras deficiências, como a osteoporose. Já na bulimia, também vemos alterações relacionadas à indução crônica do vômito, como calos nos dedos, dor de garganta, erosão do esmalte dentário e sangramentos gástricos.
São doenças que podem levar a uma péssima qualidade de vida e à morte, se não identificadas e cuidadas a tempo. E é esse o problema. No entanto, como os pacientes negam sua condição, acreditando que seja uma escolha de vida, postergam o pedido de ajuda.
O que fazer?
O primeiro conselho é prestar atenção na rotina daquela pessoa, saber seus hábitos, se importar com ela. Assim, se algo se modificar, talvez seja mais fácil de perceber.
A chave do tratamento costuma ser a família e o círculo de amigos, que devem ser firmes e atentos, porém carinhosos e parceiros. Ou seja, estes devem se incluir na tentativa de cura junto com o paciente, através de terapia e grupos de ajuda.
No entanto, trata-se de um esforço multiprofissional, com médicos, psicólogos, nutricionistas, educadores físicos e outros, com o objetivo de retorno lento e gradual a uma alimentação mais próxima do saudável, além de proporções corpóreas adequadas.
As recaídas não são raras, por isso é um trabalho para a vida toda, com amor.