“Não importa se os outros têm, você não é todo mundo.” “Mas você não é todo mundo… Não vai e pronto.” Há alguns dias, eu disse pela primeira vez uma dessas detestáveis frases para o meu filho. E de repente ali, em uma cena cotidiana sem importância, percebi que, em alguns sentidos, eu me transformei na mãe que um dia critiquei.
Quem nunca amargou um doloroso NÃO e quis esganar a mãe ouvindo essa frustrante frase? Sim, a maioria de nós já passou por isso. Eu a ouvi muitas vezes e me surpreendi ao perceber, que, enfim, hoje consigo capturar o grande significado que ela tem, afinal de contas, é uma expressão que fala sobre o quanto somos singulares. Mas ainda assim foi bem estranho pronunciá-la… Talvez porque encarar as semelhanças sombrias que temos com nossas mães desperte um enorme incômodo, não é mesmo, Laura Gutman?
Imagem: 123RF
Sobre incorporar e repetir um padrão
Eu sou filha de uma mãe de sangue quente, com direito a tudo de bom e de ruim que isso traz. Minha mãe sempre foi uma mulher de exageros, intensa no jeito de sentir e também na forma de se expressar. Com ela, eu descobri a potência incrível que o amor de mãe possui, pois, ao fazer das filhas o seu mundo, minha mãe me proporcionou uma infância emocionalmente segura e feliz. Ela se dedicava intensamente a mim e a minha irmã e soube nutrir nossa autoestima e nosso amor-próprio com uma força admirável.
Levaria páginas e páginas e gastaria incontáveis palavras para descrever tudo de bom que minha mãe me ensinou. E, antes de qualquer coisa, quero ressaltar que considero minha mãe uma mulher gigante que merece todo o meu amor e gratidão. Mas, dessa vez, quero focar em um hábito indigesto que acho que (des)aprendi com ela.
Minha mãe nunca teve um volume de voz moderado para conversar com a família sobre aquilo que a desagradava. Cresci vendo – e naturalizando – que não tem nada demais falar com os filhos na base do grito quando eles “fazem coisa errada”. Não tenho memórias de palmadas, pelo contrário: guardo infinitas lembranças das brincadeiras e declarações de amor constantes que ela fazia. Mas também me lembro do temperamento explosivo e do tom de voz inflamado da minha mãe. Me recordo do seu jeito bravo de ser a chefe da casa, de reclamar o tempo todo da falta de colaboração de todos, das frases ditas no impulso, ameaçando “sumir”, dos gritos histéricos para emitir ordens urgentes. E, hoje, lembrar disso tudo tem me doído mais do que em qualquer tempo. Porque hoje, tantas vezes, essa mãe aí sou eu.
Sobre compreender e seguir em frente
Reproduzir o modelo que tivemos não é novidade pra ninguém e a gente não precisa ser nenhum Freud pra entender o quanto isso faz sentido, não é verdade? Por isso, em minha busca pessoal para aparar as arestas, tento ir além de curar as tais feridas da criança que fui. As falhas da minha mãe foram demasiadamente humanas e eu consigo enxergá-las com empatia. Mas isso também não quer dizer que está tudo bem e que eu pretendo perpetuar esse padrão. Eu não quero esbravejar nos ouvidos dos meus filhos todo embrulho no estômago que carrego dentro de mim. Cada vez mais, venho tentando entender o que levou a minha mãe a ser como foi e em vez de tirar satisfações com ela, quero colocar contra parede esse sistema cruel que transforma mães em carrascos.
Frequentemente, ainda disparo broncas e reclamações em altos decibéis. Mas, pelo menos, não faço isso sem perceber. Estou atenta aos meus excessos, tento de verdade segurar minha onda, peço desculpas e, o mais importante, tenho tentado rejeitar a todo custo qualquer dinâmica que coloque o mundo dos meus filhos somente nas minhas costas. Eu simplesmente não preciso aguentar tantas toneladas… E se alguém me disser “que toda mãe dá conta de tudo”, eu tenho a resposta na ponta da língua: “mas eu não sou todo mundo”.
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Este texto foi escrito pela querida parceira Fabiana de Toledo, que é mãe da Elis e do Eduardo, jornalista e colaboradora fixa do Mil Dicas de Mãe.