Por Flávia Girardi
Meu avô chamava os netos de passarinhos do vô! Porque a gente cantava alto, trazia alegria, mas um dia, voaria para longe… Lembro-me dele tocando sanfona, dançando arrasta-pé com a gente, dirigindo um Opala cor de laranja para nos levar para passear. A gente pedia, ele ia. A gente queria doce, ele dava. Às vezes até antes do jantar e minha avó teimava! Ele deixava tudo de lado para ficar com a gente, aproveitando cada segundo. Porque ele sabia que iria passar. Só fico triste porque ele voou cedo demais e não pôde ver os caminhos por onde nós iríamos trilhar. Nem chegou a conhecer meu marido e minha filha.
Mas entendo sua metáfora. É o amor que cuida, aprecia, se entrega, mas liberta. Confesso que, às vezes – e na maior parte das vezes – isso é um pouco difícil para mim. No fundo acho que quero manter “os meus” debaixo das minhas asas, para ter a sensação de que, assim, os protejo de tudo. Os amparo. Acolho. Impeço tudo que possa haver de mal no mundo de se aproximar.

Nunca tive apego a coisas materiais, já tirei roupa que nunca tinha usado do corpo para minha irmã usar, costumo doar coisas de tempos em tempos. Enjoo e troco tudo do lugar: móveis, roupas de cama, brinquedos… Troco a cor da parede, pinto um quadro novo. Mas quando o assunto passa a ser pessoas, ainda tenho um árduo caminho a percorrer. Porque os quero sob meus olhos para ter certeza (ou a ilusão da certeza) de que está tudo bem. Me transformo num polvo que quer fazer tudo, evitar tudo, certificar-me de tudo… Cada dor deles, dói em mim.
Tento interiorizar que a vida é assim, feita de erros e acertos. De tropeços e voos. E que cada pedra que encontramos no caminho nos torna mais fortes. Isso tudo para me consolar de que nunca terei o controle de tudo. As coisas são como são.
E sempre tento me lembrar do meu avô. Da maneira como ele nos via e entendia que a vida é assim. Breve. Cabe a nós não desperdiçar.
Fiz essa poesia para ele antes da Alice nascer (e eu renascer para o mundo com outros olhos). Toda vez que aquele amor que sufoca começa a reinar eu a releio. Para lembrar que todo passarinho precisa voar.
“Ah, eu nasci para ser passarinho,
Cantar bem alto, abrir caminho
Olhar de cima o mundo e as cores
Sentir o vento, beijar as flores
E quando cansado, voltar pro ninho
Fazendo amigos, vivendo amores
Andar em bando e voar sozinho”
