Vocês devem ter acompanhado o lançamento da campanha da vacina de HPV, que a partir desse ano é oferecida pelo SUS, certo? Eu já comentei sobre ela aqui no blog, nesse post aqui (se você não viu, vale a leitura, pois explica direitinho como é a vacina, qual é a faixa etária a que ela está destinada, e muitas outras informações).
Acontece, no entanto, que alguns acontecimentos em Bertioga, cidade do litoral paulista, causaram um grande questionamento sobre o tema no mês passado. Houve relatos de meninas que passaram mal depois de tomarem a segunda dose em uma determinada escola, o que levou muitas mães a me escreverem, perguntando sobre a segurança da vacina, se deveriam incentivar a vacinação de suas filhas ou não.
Conversei então com a nossa super parceira, a médica hebiatra Bianca Lundberg, que vocês já conhecem de outros posts publicados. E ela topou explicar toda a questão para que possamos compreendê-la melhor. Vem comigo, que é assunto de grande importância!
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Por Dra. Bianca Lundberg
Imagem: NIAID / Creative Commons
Há cerca de um mês o país começou a oferecer a segunda dose da vacina contra o HPV para as meninas de 11 a 13 anos, tanto nas escolas quanto nas Unidades Básicas de Saúde. Por enquanto, são necessárias três doses para uma maior proteção contra os tipos 6, 11, 16 e 18 (dentre os mais de 100 tipos de vírus identificados). A infecção pelo HPV pode resultar em verrugas genitais e no câncer de colo de útero, que segundo o INCA – Instituto Nacional do Câncer – afetará mais de 15 mil mulheres brasileiras até o final deste ano.
O Ministério da Saúde tem como objetivo vacinar 80% das meninas da faixa etária escolhida para a Campanha; a primeira fase da vacinação superou as expectativas no país. Sabe-se que quanto mais velha a paciente, maior possibilidade de adquirir o HPV em qualquer tipo de contato sexual; estudos comprovaram que a resposta imunológica é maior quanto mais cedo a paciente é vacinada.
Muitos de vocês devem ter acompanhado as notícias de possíveis reações adversas a esta vacina, como nos casos vistos em Bertioga, cidade do litoral paulista. Explico: no começo de Setembro, 11 meninas vacinadas na mesma escola com a segunda dose apresentaram sintomas como dores no local da aplicação, dores no corpo generalizadas e cefaleia. A maior parte das alunas foi liberada após avaliação médica, mas três delas tiveram sintomas mais persistentes e importantes (dificuldade de locomoção, fraqueza), sendo ao final transferidas para a referência hospitalar da cidade de Santos. Lá foram acompanhadas e avaliadas; neurologicamente, não foi encontrada nenhuma alteração nas meninas.
Os representantes responsáveis tanto da Secretaria de Saúde do Estado quanto do Ministério da Saúde, após checarem pessoalmente toda a história e também o lote, estado de conservação e modo de aplicação das vacinas, concordaram em divulgar que o acontecido pode ser explicado pela Síndrome de Estresse Pós Vacinal. Esta Síndrome, comum em adolescentes, engloba os sintomas das meninas, e já foi relatada em outros países e com outras vacinas, com regressão espontânea.
Em 2007, na Austrália, algumas pessoas que receberam a vacina desenvolveram sintomas como tontura, desmaio e fraqueza, não tendo sido identificada causa orgânica. Em 2013, foi a vez do Japão, onde houve desenvolvimento de quadros com cefaleia, convulsões e possíveis relatos da Síndrome Dolorosa Complexa Regional. Esta outra Síndrome se caracteriza por dor contínua desproporcional ao evento de início (que pode ser uma vacina, outro tipo de injeção, uma cirurgia, traumas, ou mesmo alguma doença), juntamente com sintomas sensoriais e motores. Acontece mais no sexo feminino e pode ser desencadeada por um momento de estresse.
A bula da vacina já conta com alguns dados da chamada experiência após comercialização, com relatos de anafilaxia (alergia grave), além de tontura, desmaios, cefaleia, náuseas, entre outros. De acordo com o informe técnico mais recente do Ministério da Saúde, de julho deste ano, até então 20 eventos graves haviam sido notificados, e esse número, apesar de assustar, está dentro do esperado em comparação com a literatura disponível.
Devemos nos lembrar de que qualquer vacina ou medicação pode ter algum efeito inesperado, e que nenhum procedimento médico é 100% sem riscos. Além disso, o efeito adverso como definição não tem necessariamente relação causal com, nesse caso, a vacina.
A vacina contra o HPV vem sendo utilizada em cerca de 130 países atualmente, com alta segurança, fiscalização e acompanhamento minucioso. Estudos sérios vêm sendo realizados, inclusive com indícios de diminuição de prevalência dos tipos de HPV prevenidos com a vacinação, o que pode em longo prazo melhorar a saúde da população e diminuir gastos com esse tipo de câncer. Sempre é bom frisar que o preservativo não deve ser esquecido, o exame de prevenção (o conhecido Papanicolaou) não foi substituído pela vacinação e que qualquer contato sexual pode transmitir o vírus.
Tema bom para refletir, questionar, e não apenas acreditar em tudo que se lê ou se vê por aí. Espero que vocês tenham gostado!