Primeiramente, gostaria de apresentar Dr. Jeffrey Laurence a vocês – ele é consultor científico sênior para programas da amfAR (The Foundation for AIDS Research), uma das mais sérias e respeitáveis organizações voltadas ao estudo da prevenção, tratamento do HIV e cura da AIDS do mundo.

Se você já ficou grávida, sabe da importância dos exames pré-natais para a saúde da mãe e do bebê. Quem não sentiu um friozinho na barriga ao fazer o teste para HIV (por mais que soubesse que eram praticamente nulas as chances de ter o vírus)? Isso porque, até pouco tempo atrás, descobrir-se um portador do vírus era praticamente uma sentença de morte.

Felizmente muita coisa mudou nos últimos anos, a ponto de atualmente termos uma baixíssima transmissão entre mãe e filho, quando a mulher está sob tratamento para a infecção.

Essa e outras informações muito importantes, de altíssima qualidade, você vê no post de hoje – uma honra, a entrevista com um dos maiores especialistas sobre AIDS do mundo, Dr. Jeffrey Laurence.  O resultado da nossa conversa você lê a seguir!

Entrevista com Dr. Jeffrey Laurence

Você poderia nos falar sobre a situação da infecção por HIV entre as mulheres, especialmente no Brasil? Quantas mulheres são infectadas a cada ano? Quem são essas mulheres? 

Há cerca de 700.000 pessoas vivendo com HIV no Brasil, com uma taxa anual de morte de cerca de 15.000. Atualmente o Brasil atingiu um bom índice de acesso aos medicamentos anti-HIV. Cerca de 80% dos indivíduos que necessitam dessas drogas anti-virais têm acesso a elas.

Falando especificamente sobre as mulheres, cerca de 4 em 1.000 mulheres brasileiras são HIV positivo, mas o número aumenta para 7 a cada 1.000 entre as mulheres que estão grávidas.

As maiores taxas são encontradas no norte do país, onde a mortalidade também é maior. Os maiores avanços no sentido de limitar a mortalidade por HIV ocorreram no Sudeste.

E no mundo, qual é a situação da transmissão do vírus HIV entre mãe e filho? Podemos dizer que atualmente este é um problema restrito apenas aos países de terceiro mundo?

Com a ampla disponibilidade de medicamentos anti-HIV e assistência pré-natal nos países desenvolvidos, a transmissão do HIV entre mãe e filho é rara. Por exemplo: nos EUA cerca de 9.000 mães HIV positivo dão à luz todos os anos, mas apenas cerca de 150 bebês nascem HIV positivo no país. Ou seja, praticamente todas essas crianças nasceram de mães que não receberam tratamento antiviral.

Em contraste, a transmissão mãe-filho do HIV em áreas pobres do mundo continua a ser uma tragédia. Isso ocorre principalmente porque as mulheres não conhecem o seu estado sorológico (ou seja, não sabem que são portadoras do vírus), e não recebem cuidados pré-natais, incluindo as drogas anti-virais.

O risco de tal transmissão nesses casos é de 1 em 4. Durante a amamentação, caso a mãe não receba tratamento, o risco de transmissão ao longo de 12 meses é de 32%.

 

Quando uma mulher grávida recebe a notícia de que tem o vírus HIV, como é o tratamento a que é submetida? Esse protocolo é o mesmo em todas as partes do mundo?

Há alguns medicamentos anti-HIV que mulheres grávidas em todo o mundo devem evitar. Um exemplo: Sustiva (efavirenz) é uma droga comumente usada em pacientes com HIV e presente em uma pílula chamada Atripla.

Entretanto, ela pode causar defeitos congênitos no bebê, se usada no primeiro trimestre de gravidez. Outras drogas, relacionadas a um maior risco de lesão hepática das grávidas, também devem ser evitados sempre que possível.

Atualmente, tanto nos países desenvolvidos quanto nas regiões mais pobres do mundo, a combinação tripla de drogas anti-virais é recomendada durante a gravidez, o parto e a amamentação.

Qual é o estágio da gravidez mais preocupante para uma mulher HIV positivo?

Se a grávida HIV positivo tem um bom estado geral, o número de visitas no pré-natal é igual ao de uma mulher sem o vírus. Dessa maneira, os maiores riscos são a maior incidência de partos prematuros e natimortos.

Se a grávida enfrenta complicações com o próprio HIV, que ocorrem principalmente naquelas que não recebem tratamento antiviral, então as infecções, deficiências nutricionais, de ferro e vitaminas, perda de peso presentes devem ser tratadas para garantir uma gravidez saudável para a mãe e para o feto.

É perigoso para uma mulher HIV positivo amamentar seu bebê? Como se sabe que o tratamento a que a mãe é submetida é seguro para o bebê?

Para ela não é perigoso – o risco é do de transmissão para o bebê, a não ser que a mãe esteja recebendo medicação antiviral. Em países desenvolvidos, com fácil acesso à água tratada e fórmulas infantis, a amamentação não é recomendada.

No entanto, em países pobres, onde o acesso à água limpa e fórmulas não é garantido, recomenda-se a amamentação exclusiva associada ao uso de drogas antivirais pela mãe.

Historicamente, há uma longa história de mulheres que amamentaram enquanto tomavam drogas anti-HIV. Não há evidência de efeitos adversos no crescimento, desenvolvimento mental ou risco de câncer na criança. Apenas algumas drogas muito específicas não têm ainda muito tempo de avaliação em relação aos efeitos sobre o bebê.

Alguns meses atrás foi noticiado um estudo sobre o desenvolvimento de um gel vaginal especial e de um anel que poderiam prevenir a infecção feminina por HIV depois do sexo. Quais são as conclusões atuais sobre esses achados?

Essa é uma estratégia promissora para a prevenção do HIV. Embora tenha sido mostrado que tomar uma pílula anti-HIV por dia, ou inserir um gel ou creme de forma intravaginal ou intrarretal possam ser meios de bloquear a transmissão por HIV, seria necessário fazer uso desses meios todos os dias.

Já um anel vaginal contendo uma forma de liberação lenta de medicação antiviral poderia ser mantido no corpo da mulher por semanas, da mesma forma que anéis contraceptivos funcionam. É possível até incorporar medicações anti-HIV e contraceptivas no mesmo anel.

Em termos gerais, como a terapia com genes pode ser usada no tratamento da AIDS? Ela poderia ser considerada a chave para maiores avanços em casos de AIDS no futuro?

Terapia gênica é o processo onde você corta e tira um gene indesejável ou adiciona um gene inativo ou “defeituoso”. Falando sobre a aplicação disso no tratamento da AIDS, significaria deletar um ponto de acesso para o vírus, removendo o receptor que ele precisa para infectar uma célula.

Isso aconteceu naturalmente no que consideramos até hoje o único caso de cura espontânea da AIDS – o paciente de Berlim. Tim Brown tinha simultaneamente duas doenças – leucemia e AIDS. Assim, na tentativa de curar a leucemia, foi escolhido um doador de medula que carregava uma mutação no principal receptor do vírus HIV, chamado CCR5.

Entretanto, essa mutação, por si só, é inofensiva para o indivíduo e ocorre em cerca de 1,5% dos europeus. Isso deu certo no caso de Tim.

Para tornar esse tipo de tratamento mais prático e acessível ao mundo todo, poderia se usar a terapia gênica para cortar o receptor CCR5 das células do próprio indivíduo infectado. Ainda há um problema tecnológico para fazer isso, mas essa é uma área de intensa pesquisa relacionada à AIDS.

Nós nos preocupamos com a cura, embora as drogas antivirais atuais sejam muito potentes. Isso porque elas devem ser tomadas por toda a vida e é improvável que todas as pessoas infectadas no mundo tenham acesso a esses medicamentos durante todo esse tempo.