Durante a aula de ballet de Catarina, rola um bom papo de mãe do lado de fora da sala. Somos em quatro mães que se encontram duas vezes por semana, por isso com certa intimidade para contar o que acontece com nossas vidas. Na semana passada, ficamos aflitas com o relato de uma, que dizia ter sido alvo de assaltantes na saída da escola. Um dos ladrões havia apontado uma arma para a cabeça de seu filho, uma criança de apenas seis anos. Obviamente o pequeno estava muito nervoso desde então. “Que tipo de gente é capaz de fazer isso com alguém tão indefeso?”. Era tudo o que conseguíamos dizer e pensar naquela hora.

Enquanto levava Catarina de volta para casa, paramos em um farol (e como eu havia acabado de ouvir a história,  estava em estado de alerta. Aquele que qualquer mãe de cidade grande do país conhece – você olha para todos os lados para se certificar de que nenhum possível agressor chegue perto da cria). E foi então que eu vi, e que minha filha viu também.

menino

Era um menininho que nos olhava com olhar triste. Ele não parecia ter muito mais do que a idade de Catarina, mas não excluo a possibilidade de que pareça menor do que realmente é, por uma alimentação deficiente. Ao invés de roupas limpas e passadas, como as de minha filha, usava trapos sujos e rasgados. A mãe? Não estava ali – talvez fosse a moça que vi a alguns metros, sentada no chão com uma garrafa ao lado.

Tão pequenos, tão parecidos em suas necessidades, mas vivendo em mundos tão distantes. Imaginei como estariam, ele e Catarina, nos próximos vinte anos. Provavelmente (para não dizer certamente) ele não estudaria na mesma escola de minha filha; com sorte, estaria matriculado em uma escola pública, onde seria aprovado independente de seu desempenho. Não seria incentivado a estudar pela importância do aprendizado, e sim pela lata de leite ao fim do mês, que traria para casa (sem criticar a lata em si – talvez um dos poucos alimentos de qualidade a que ele terá acesso por um bom tempo). Aliás, que casa? Não sei se ele poderia chamar algum lugar dessa forma. Tanto pela falta de uma estrutura física que significasse proteção, quanto pelo sentido emocional que um lar pressupõe existir. Provavelmente conheceria o álcool antes da maioridade (bem, bem antes, ainda criança); isso se não conhecesse drogas mais pesadas.

Catarina me tirou dessa linha de pensamento com uma simples pergunta:

– “Mãe, qual é o nome dele?”, apontando em sua direção.

Foi aí que me lembrei de minha mãe. Das incontáveis vezes em que ela parou nos faróis, perguntando os nomes das crianças que vinham lhe pedir dinheiro. Engraçado como o nome dá existência – com aquela atitude ela os tornava reais para nós, filhas, ao invés de apenas personagens de um filme que víamos pela janela do carro. Ela lhes dedicava um minuto do seu tempo, perguntando sobre sua história. Muitas vezes, arrancando sorrisos por dar a eles o direito de contar um pouco de si.

Torço para que daqui a vinte anos, aquele pequenino triste não se torne o agressor que tanto tememos. Que se considera no direito de tomar à força aquilo tudo que desejou, olhando do lado de fora do vidro. E me perguntei: o que estou fazendo para mudar sua história? Porque hoje ele é apenas uma criança, com um mundo de possibilidades pela frente.